Negociação da participação societária por sócio da pessoa jurídica franqueada

 

Tânia Carvalho Siqueira
Advogada e especialista Especialista em Direito Contratual – PUC/SP

Uma das características mais interessantes do contrato de franquia(1) se relaciona com a sua natureza de contrato misto por refletir a combinação de vários tipos contratuais como, por exemplo, a licença de uso de marcas e patentes, transferência de tecnologia, prestação de serviços, distribuição, assistência técnica, assessoramento administrativo, financeiro e de marketing, compra e venda, além do treinamento adequado à organização da atividade econômica a ser explorada pelo franqueado.

Estabelecem-se, através do contrato, além das prestações e contraprestações assumidas pelas partes, o prazo, as garantias, etc. Representa ao contrato a estruturação da relação jurídica e as diretrizes do negócio que são transmitidas pelo franqueador ao franqueado, seja pessoa física ou jurídica.

Da mesma forma que, quando da contratação, o franqueado leva em conta (i) a solidez e prestígio da marca; (ii) a probabilidade de crescimento do mercado; (iii) a expectativa de lucratividade do negócio; (iv) e até a idoneidade financeira do franqueador, também o franqueador avaliará, através de diversos critérios (inclusive idoneidade financeira e moral) a pessoa que melhor irá com ela colaborar na expansão daquele modelo de negócio. Portanto, o franqueado também é previamente avaliado pelo franqueador que definirá quem melhor desempenhará a atividade econômica oportunizando uma parceria de sucesso.

Não por outra razão a própria lei nº 8.955/94(2) ao tratar da transparência e da colaboração que deve permear a relação jurídica entre franqueado e franqueador, deixa claro como elemento da Circular de Oferta e Franquia (COF) o detalhamento quanto ao “perfil do franqueado ideal”(3) o que pode ser definido através dos requisitos tidos por essenciais pelo franqueador, considerando o específico segmento do negócio envolvido na contratação, havendo de se definir até a imprescindibilidade (ou não) do envolvimento pessoal do franqueado na administração e operação(4). Não raras vezes há até mesmo um questionário de pré-qualificação.

Desta premissa outra conclusão não se extrai senão o caráter intuitu personae(5) (personalíssimo) do contrato de franquia, significando dizer que a qualificação da pessoa dos contratantes é elemento causal do negócio, isto é, consiste em fator determinante para a celebração da parceria. Inequivocamente a relação jurídica foi construída a partir das qualidades, habilidades, experiência, idoneidade e confiança que funcionam como base elementar para a decisão de ambas as partes por firmar o contrato de franquia.

Portanto, perfeitamente possível e alinhado à boa-fé objetiva, a inclusão de cláusula no contrato de franquia vedando a cessão ou alienação de quotas titularizadas por sócios da pessoa jurídica franqueada, sem a prévia submissão e aprovação pelo franqueador que avaliará a qualificação de terceiro(6) para o desempenho e operação da atividade envolvida na franquia. Isso porque os mesmos critérios que incidiram sobre os sócios quando da contratação (inclusive a realização dos treinamentos) deverão ser aplicados ao terceiro que tenha intenção de adquirir as quotas representativas da participação social. Aliás, possível até que o franqueador insira cláusula prevendo a sua preferência na aquisição das quotas caso algum sócio da pessoa jurídica franqueada eventualmente manifeste o interesse em negociá-las. A alienação das quotas ou qualquer modificação no quadro societário ou no controle acionário, em afronta a dispositivos do contrato de franquia que proíbam tais medidas sem a prévia aprovação do franqueador, poderá implicar descumprimento contratual com a incidência das penalidades previstas no contrato(7).

Isso sem falar, é claro, da imprescindível inserção de cláusula disciplinando a prévia e expressa aprovação pelo franqueador quanto a eventual interesse do franqueado na cessão de direitos e obrigações decorrentes do contrato de franquia. Caso o franqueador vete a cessão da posição contratual ou cessão das quotas, o contrato poderá ser rompido.

CONCLUSÃO

O contrato de franquia estruturado após rígido e criterioso processo recíproco de seleção e avaliação quanto às pessoas envolvidas na relação, não pode ser objeto de cessão sem a aprovação prévia e expressa do franqueador. Aliás, dado o caráter personalíssimo da relação, qualquer alteração no quadro social do franqueado, no controle acionário ou na gerência também deve ser precedida de aprovação pelo franqueador. Neste sentido, e com foco na total transparência e lealdade como pilares para o atingimento da função essencial do contrato de franquia, conferindo-lhe, inclusive, eficácia, tais restrições devem vir dispostas em cláusulas contratuais que disciplinem as consequências em caso de veto pelo franqueador.

NOTAS

1 Merece o registro de que o presente estudo não aborda as espécies de franquia
2 Lei que dispõe sobre o contrato de franquia empresarial
3 Inciso V do art. 3º da Lei 8.955/94
4 Inciso VI do art. 3º da Lei 8.955/94
5 Flávio Lucas de Menezes Silva e Gabriele Tusa. Contrato de Franquia Empresarial: a instrumentalização de um negócio formatado. In: Wanderley Fernandes (Coord.). Contratos de Organização da Atividade Econômica. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 270
6 Aquele que tem a pretensão de adquirir ou substituir algum sócio do franqueado, alterando a composição societária vigente quando da celebração do contrato.
7 TJSP, 17ª. Câmara de Direito Privado, Apelação 9185320-34.2004.8.26.0000, Relator Des. Simões de Vergueiro, j. 04.08.2010. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=464545 Acesso em: 11.06.2015


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