Entenda as mudanças no sistema de Franchising com a aprovação do Projeto de Lei nº3.432/2012

 

Está em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.234, de 2012, proposto pelo deputado Valdir Colatto, cuja finalidade é revogar a lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, para dar nova disciplina ao franchising. Ao PL 3.234, de 2012, foi anexado outro projeto de lei acerca da mesma matéria, de iniciativa do deputado Alberto Mourão – PL 4.386, de 2012.

O Projeto de Lei, que vem sendo contemplado com pareceres favoráveis à sua aprovação, está agora sob a análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados.

Inegável que o objetivo das proposições encontra suporte na evolução do instituto e seu impacto nos mais variados setores da economia, ao ponto de o Projeto prever a possibilidade de implantação da franquia por empresas públicas, sociedades de economia mista, entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (§ 2º do art. 2º e art. 9º do PL 3.234, de 2012), dispondo quanto a critérios objetivos que deverão ser observados na seleção dos franqueados pelas estatais através de procedimento licitatório, como bem observado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio que apresentou Substitutivo ao projeto principal.

Enfim, o Projeto de Lei traça claramente a configuração da franquia como atividade empresarial deixando expresso que a relação entre franqueador e franqueado não é de consumo e que não gera vínculo empregatício (art. 2º), aspectos que se alinham com a autonomia e com a colaboração estabelecida entre as partes.

Neste contexto, vale a pena procedermos às primeiras reflexões acerca do projeto que apresenta inovações de destaque acerca do sistema de franquia tendo por premissa conferir maior segurança aos envolvidos no modelo de negócios estruturado pelo contrato.

De imediato chama atenção o conceito de franquia empresarial traçado no art. 2º que nos remete ao modelo denominado “franquia do negócio formatado” ou Business Format Franchising, caracterizado pelo desdobramento da estrutura formatada pelo franqueador. Ao definir franquia empresarial, o Projeto de Lei expõe a possibilidade de o franqueador não deter a titularidade do registro da propriedade intelectual a ser transmitida ao franqueado, isto é, permite-se que os direitos sobre o objeto da propriedade intelectual (leia-se criações industriais, direito de autor, sinais distintivos) sejam transmitidos por aquele que detém autorização para explorar no mercado o uso daquele objeto (por exemplo, patente, software, marca).

Assim, o art. 2º do Projeto de Lei inova: (i) ao evidenciar o franchising como sistema (conjugação de elementos como a licença de uso de marcas e outros objetos de propriedade intelectual, fornecimento de bens, prestação de serviços como treinamentos, marketing, etc, todos conectados pelo interesse econômico único); (ii) ao ampliar ao requerente dos direitos de propriedade intelectual ou àquele autorizado pelo titular, a possibilidade de transmitir, por meio de contrato, o uso das marcas e outros objetos de propriedade intelectual; (iii) ao acertar a impropriedade jurídica contida na Lei 8.955/94 que falava em “cessão de marca” e não em “autorização de uso” em caráter temporário.

Ao abordar o conteúdo da Circular de Oferta de Franquia, o Projeto de Lei inclui várias obrigações ao franqueador não previstas na Lei nº 8.955/94, merecendo destaque:

(i) a indicação da política de concorrência territorial (definindo-se a área de atuação e eventual exclusividade) praticada entre as unidades próprias e as franqueadas, assim como as regras de não concorrência entre franqueado e franqueador e entre os próprios franqueados;

(ii) a inserção de relação completa dos franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores que tenham se desligado da rede nos últimos 24 meses (e não 12 meses como consta no atual texto legal);

(iii) a estimativa dos aportes e investimentos, e a descrição do valor da taxa inicial de filiação, excluindo-se a caução a ser prestada pelo franqueado, prevista no texto da Lei nº 8.955/94;

(iv) a especificação da possibilidade (ou não) de cessão dos direitos e obrigações decorrentes do contrato de franquia, bem como a disciplina para o caso de sucessão [1]

(v) a informação quanto ao prazo de vigência do contrato (se por prazo determinado ou indeterminado); as condições e requisitos a serem atendidos para sua renovação e as situações que poderão gerar a aplicação de penalidades em caso de descumprimento das obrigações contratuais;

(vi) em caso de obrigatoriedade de aquisição de quotas mínimas, deverá a COF indicar o montante e em quais condições poderá o franqueado recusar;

(vii) a indicação da política de preços adotada na rede e as regras para sua alteração;

(viii) a indicação da existência de conselhos ou associações que representem os interesses dos franqueados;

Outra inovação que sobressai diz respeito ao ponto comercial, aquele que servirá para instalação da unidade franqueada e que, como todos sabem, pode ser do franqueador como pode ser do franqueado. O Projeto de Lei em questão, preocupando-se com o investimento aplicado na instalação do empreendimento, passou a disciplinar a hipótese de o ponto comercial estar na posse do franqueador que o subloca ao franqueado. Dispõe o art. 6º do PL que a renovação do contrato de locação poderá ser exercida não só pelo locatário/sublocador (o franqueador, no caso) como pelo sublocatário (o franqueado) que somente deixará de deter a legitimidade para pleitear a renovação do vínculo locatício caso tenha descumprido alguma obrigação disposta no contrato de franquia.

Ainda prevê o art. 6º do PL a possibilidade de o aluguel pago pelo sublocatário ser superior ao aluguel pago pelo locatário/sublocador ao proprietário do imóvel, desde que a Circular de Oferta de Franquia informe tal situação e que não implique em excessiva onerosidade ao franqueado/sublocatário. O dispositivo encontra suporte, mais uma vez, na transparência que deve prestigiar a relação entre as partes e também na liberdade contratual.

Também vem o Projeto de Lei disciplinar a lei aplicável para dirimir eventuais questões surgidas no contexto do contrato internacional de franquia ou nos casos em que os efeitos do contrato se produzam fora do território nacional, deixando clara a aplicação da lei brasileira a menos que as partes disponham de forma diversa. Nesta linha, o § 2º do art. 10 do Projeto de Lei prevê a obrigatoriedade de a parte domiciliada no exterior constituir procurador no Brasil outorgando-lhe plenos poderes, inclusive para receber citação [2]. No que diz respeito à solução de eventuais controvérsias, prevê ainda o Projeto de Lei a submissão das partes à arbitragem se assim deliberarem. [3]

Quanto à língua do contrato – elemento formal que guarda relação com a determinação da lei aplicável – prevê o PL a língua portuguesa em se tratando de contrato de franquia cujos efeitos se produzam no território nacional (§ 4º do art. 10) independentemente na nacionalidade das partes.

ALTERAÇÕES PROPOSTAS AO PROJETO DE LEI POR COMISSÕES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

O texto originalmente proposto foi objeto de Substitutivo apresentado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, sob a relatoria do deputado Guilherme Campos, recebendo duas Subemendas pela Comissão de Finanças e Tributação. Os pontos de maior relevo abordados foram os seguintes:

I – a exclusão do art. 12 do Projeto de Lei. Isso porque as entidades estatais, previamente à implantação do sistema de franquia, devem se submeter à licitação. Foi suprimida, assim, a proposta de inclusão de item ao art. 24 da Lei nº 8.666/93 (Lei que regulamenta as licitações e contratos da Administração Pública) que tratava a contratação de franquia como hipótese de dispensa de licitação;

II – a supressão da expressão “grupo econômico” do texto do art. 2º do Projeto de Lei que ao definir franquia empresarial esclareceu não se tratar franqueador e franqueado de integrantes de grupo econômico.  A Comissão de Finanças e Tributação entendeu por excluir da redação do art. 2º a referência a “formação de um mesmo grupo econômico” justificando no fato de que, na sua visão, não se deve descaracterizar de pronto a formação de grupo econômico entre as partes contratantes considerando as estratégias e interesses que sustentam o modelo de negócio pactuado;

III – a exclusão do art. 5º do Projeto que estabelecia o prazo mínimo de 2 anos de exploração econômica do objeto do contrato de franquia, no mercado nacional ou no exterior. A intenção originalmente proposta era a de, após este período, a franquia já estar testada no mercado e o franqueador comprovadamente apto a implantar o sistema de franquia. No entanto, pela Comissão de Finanças e Tributação, tal dispositivo implica barreira indevida à entrada de agentes ao mercado, especialmente aqueles mercados onde o primeiro a explorar acaba se beneficiando de vantagens competitivas.

CONCLUSÃO

O Projeto de Lei traz expressivas inovações ao instituto, delineando a necessária transparência na relação jurídica que se estabelece entre franqueador e franqueado, e prestigiando a autonomia das partes para deliberar quanto ao conteúdo do contrato a ser por elas cumprido. O foco não parece ser outro senão acompanhar a ascensão do instituto da franquia que impõe, cada vez mais, garantir segurança jurídica aos agentes econômicos.

Sem esgotar as particularidades do Projeto (que mantém vários dispositivos já previstos na atual lei de franquia) e sem nos deter na intenção ou na técnica do legislador, serve o presente estudo tão somente como primeiras reflexões acerca da nova proposta de regulação do sistema de franquia empresarial, podendo ser compiladas como principais alterações, quando se compara com o texto da Lei nº 8.955/95 que atualmente rege o tema, as seguintes:

NOTAS

[1] O Projeto de Lei fala em sucessão, não deixando claro se a situação a ser disciplinada pela COF diz respeito à sucessão decorrente da alienação do estabelecimento ou se diz respeito à sucessão decorrente da morte de sócio da unidade franqueada, o que poderia levar à extinção do contrato em razão do caráter personalíssimo da franquia. Assim, podem ser entendidas como aplicáveis ambas as hipóteses. Aliás, como o objetivo do Projeto de Lei é dar a máxima transparência à relação entre as partes, há de se entender que a COF deverá ser suficientemente clara quanto a todas as situações possíveis de ocorrência.

[2] Citação é o ato pelo qual se chama o réu ou parte interessada a se defender, compondo a relação jurídica processual.

[3] A Lei que dispõe sobre Arbitragem estabelece a cláusula compromissória convencionada pelas partes contratantes e vocacionada a resolver divergências, e o compromisso arbitral que é mais específico.

Tânia Bahia Carvalho Siqueira, Especialista em Direito Contratual